sábado, 22 de maio de 2010

A Moça Tecelã

Por Marina Colasanti


Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.

Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.

Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.

Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.

Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.

Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.

Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.

Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.

Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponto dos sapatos, quando bateram à porta.

Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.

Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.

E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.

— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.

Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.

— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.



Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.

Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.

— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!

Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.

Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.

Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.

A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura, acordou, e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.

Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Deusa Kali




Sou a dança da morte
que está por trás de toda vida
O derradeiro horror
O último êxtase
Eu sou a existência
Sou a dança da destruição
que porá fim a este mundo
O vazio intemporal
A boca sem forma
que devora
Sou o renascimento
Deixe-me fazê-la dançar para a morte
Deixe-me fazê-la dançar pela vida
Você vai superar seus medos
para dançar comigo?
Vai permitir que eu corte a sua cabeça
e beba seu sangue?
Então você se separará de mim?
Enfrentará todo o horror, toda a dor,
todo o sofrimento e dirá sim?
Eu sou tudo que você teme,
tudo que a aterroriza
Eu sou os seus medos.

Vai enfrentar?




Deusa hindu da criação, da preservação e da destruição e força animadora de Shiva ( deus do movimento de evolução e transformação da matéria e da vida), Kali é aquela que destrói para reconstruir.
Seu nome vem do sânscrito Kala, que quer dizer tempo. É ela quem o controla, quem devora, constrói, destrói e reconstrói. É chamada de “A Negra”, já que para os hindus, o preto é a cor que mais atrai energia por ser resultado da unificação de todas as demais. Nasceu de Durga, a deusa guerreira, que a criou num poderoso . momento de fúria para matar o poderoso demônio Mahishasura.
Kali Ma é uma deusa hindu de dupla personalidade, exibindo traços tanto de amor e delicadeza quanto de vingança e morte terrível. Era conhecida como a Mãe Negra, a Terrível, Deusa da Morte e a Mãe do Carma. Ela é mostrada agachada sobre o corpo inerte de Shiva, devorando seu pênis com sua vagina enquanto come seus intestinos. Essa imagem não deve ser entendida literalmente, ou visualmente, num plano físico. No sentido espiritual, Kali recolhia a semente em sua vagina para ser recriada em seu ventre eterno. Ela também devorava e destruía toda a vida para que fosse refeita.
Ela proíbe a violência contra a mulher e rege as atividades sexuais, magia negra, vingança, regeneração e reencarnação.
A energia de Kali simboliza o poder destruidor/criador que está reprimido em muitas mulheres que nos séculos passados se adaptaram a um modelo socialmente determinado de comportamento dependente, sedutor e guiado pelo sentimento de culpa. Só nos últimos cem anos é que a força da mulher começou a retomar contato com seu poder pessoal..
Para os hindus, é a boa mãe, apesar da sua aparência assustadora, pois a deusa de pele escura conhece os horrores do mundo e protege seus filhos. Suas mãos direitas ficam abertas para afastar o medo e abençoar seus adoradores.
É a Deusa que vem para restaurar o equilíbrio no mundo e ainda é muito cultuada entre os indianos como uma Deusa Tríplice da criação, destruição e regeneração. É a que dá origem ao mundo criativo.
No encontro com o arquétipo de Kali, o maior desafio aqui é ajustar a raiva e a sabedoria, e utilizar com objetividade a fúria da deusa em vez de reprimi-la ou desencadeá-la com ira. Representa a força de superação dos nossos medos e sentimentos negativos.
Kali é aquela que vem para nos afastar de tudo que não é verdadeiro, é a protetora do coração. É a feroz energia da psique, a luz do discernimento, a espada do conhecimento, o poder para reconhecer o que precisa ser feito.
A espada de kali se transforma e redefine nossas vidas, nos afiando e nos esculpindo, trazendo a ordem no lugar do caos, nos ensinando os significados, as belezas e os propósitos de nossas vidas. É a sombra fertilizadora, a guardiã profunda dos sempre mutantes ciclos do tempo. não há o que temer.






texto pesquisado do "Oraculo das Deusas"

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Deusa Cerridwen



Eu lhe dou a vida
Eu lhe dou a morte
é tudo uma coisa só
Você anda pelo caminho em espiral
o caminho eterno
queé a existência
sempre se transformando
sempre crescendo,sempre mudando
Nada morre que não nasça outra vez
nada existe sem ter morrido
Quando vier até mim
eu lhe darei as boas vindas
então a acolherei no meu útero
meu caldeirão de transformação
onde voc6e é misturada e peneirada
fundida e fervida,derretida e triturada
reconstituída e depois reciclada
Voce sempre volta para mim
voce sempre vai embora renovada
Morte e renscimento nada mais que pontos de transição
ao longo do caminho eterno


Segundo a mitologia celta, Cerridwen , teve dois filhos: uma linda menina e um menino muito feio. Apiedade pela feiúra do filho, ela decidiu preparar uma poção destinada a dar sabedoria e inspiração ao rapaz. Coube a um jovem, de nome Gwion, alimentar o fogo do caldeirão durante um ano e um dia. Por acidente, ele termina provando da poção mágica e por isso passa a ser perseguido até que finalmente engolido por Cerridwen. 9 meses depois Gwion renasce na forma de um lindo menino. A deusa atirou-o ao mar para que morressse, mas ele sobreviveu.

Deusa tríplice, Cerridwen é a portadora do caldeirão da vida, da morte e do renascimento. É do interior de seu caldeirão que a deusa elabora as suas poções que comandam a sincronicidade de todo o universo e intervém nos assuntos humanos para auxiliar quem a busca. Os celtas a consideravam a grande iniciadora dos mistérios sagrados, regente do mundo subterrâneo, dos processos de transformação e das ervas.
É a deusa que nos auxilia no processo de quebra de padrões de comportamentos restritivos.

Seu aspecto caracterizado em corpo de uma velha, representa o conhecimento de todos os mistérios que só a idade e a experiência podem proporcionar. Ela é a Deusa que devemos reverenciar nos momentos de dificuldades e anulação de qualquer tipo de malefício.

A simbologia o torna uma ferramenta de transformação, mas também como a imagem do ventre materno. Acredita-se que o caldeirão é capaz de transforma a base material em espiritual, a mortal em imortal e de formar a bebida da imortalidade e inspiração. O caldeirão do renascimento é um tema que se repete em muitos contos célticos.

Cerridwen chega em nossas vidas anunciando um tempo de morte e renascimento. Quando algo está para morrer, devemos permitir que se vá para que algo novo possa nascer. Não devemos encarar a morte como um fim, e sim como um renascimento.

Hora de deixar que tudo que já não pulsa mais, morra!
Se viver a sua vida ao máximo, não terá medo da morte e do que ela significa, pois ela pode tornar-se o momento de libertação mais profundo de sua natureza. Quando aprender a abrir mão de certas coisas, aprenderá a morrer espiritualmente de pequenas formas durante a vida. E é essa liberação que nos concede uma vinculação divina, completamente nova. Os místicos sempre reconheceram que, para se aprofundar na presença divina do íntimo, é necessário exercitar o desprendimento. Quando começamos a nos deixar levar, é espantoso como a nossa vida enriquece. As coisas falsas as quais nos agarramos desesperadamente se afastarão, dando espaço para que somente o verdadeiro se aprofunde dentro de nós.

A totalidade só é conquistada no momento que dissermos sim e dançarmos com a morte e o renascimento Cerridwen diz a você que sempre receberá de volta o que der a ela, portanto entregue-se e renascerá.

* Texto pesquisado do livro : Oráculo da Deusa